O Vício Em Apostas Esportivas Virtuais: Uma Análise Crítica
04/09/2025

Por Raique Almeida
O fenômeno das apostas esportivas online, conhecidas popularmente como bets, tem se expandido de forma acelerada no Brasil, impulsionado pela publicidade massiva e pela fácil acessibilidade por meio de dispositivos móveis. Esse crescimento, contudo, traz consigo um problema de ordem social e psicológica o vício em jogos de azar, que se manifesta como um comportamento compulsivo capaz de comprometer a vida financeira, afetiva e profissional dos indivíduos. Nesse sentido, compreender os mecanismos que levam ao desenvolvimento desse vício é fundamental para refletir sobre os impactos dessa prática na sociedade contemporânea.
De acordo com Schuck (2022), o jogo patológico caracteriza-se pela perda de controle sobre o ato de apostar, mesmo diante de consequências negativas significativas. Nas casas de apostas esportivas, essa perda de controle é potencializada pela ilusão de habilidade, já que o apostador acredita que seu conhecimento sobre esportes aumenta suas chances de ganho, quando na realidade a estrutura do jogo privilegia a casa. Tal dinâmica aproxima-se das formas clássicas de jogos de azar, mas revestida de uma aparência de estratégia, o que amplia sua capacidade de sedução (ALMEIDA; PEREIRA, 2021).
O marketing das bets também exerce papel central na banalização do jogo. Segundo dados de Galduróz e Noto (2020), a exposição frequente à publicidade de jogos aumenta a probabilidade de iniciação e manutenção da prática, sobretudo entre jovens. No Brasil, observa-se uma presença maciça de propagandas em transmissões esportivas, redes sociais e até em uniformes de clubes de futebol, o que contribui para naturalizar e legitimar essa atividade. Assim, a fronteira entre entretenimento e risco se torna cada vez mais difusa, reforçando um ciclo de dependência.
O vício em apostas online compartilha características de outras dependências comportamentais, como a liberação de dopamina associada à expectativa de recompensa. Segundo Valle e Oliveira (2019), a oscilação entre ganhos e perdas atua como reforçador intermitente, um dos mecanismos mais poderosos para manutenção do comportamento compulsivo. Essa dinâmica, muitas vezes invisível ao jogador, aprisiona-o em uma lógica de repetição incessante, gerando endividamento, isolamento social e sofrimento psíquico.
Além do impacto individual, o vício em bets possui consequências sociais amplas. A facilidade de acesso, aliada à ausência de regulamentação rígida, expõe principalmente populações vulneráveis a riscos elevados. Como apontam Laranjeira e Madruga (2019), os custos sociais do jogo compulsivo incluem aumento de conflitos familiares, perda de produtividade e maior demanda por serviços de saúde mental. No caso brasileiro, tais efeitos se somam a um contexto de fragilidade institucional, em que as políticas públicas ainda não conseguem acompanhar a velocidade da expansão desse mercado.
Portanto, o vício em apostas esportivas virtuais representa um desafio emergente para a saúde pública e para a sociedade como um todo. O problema exige uma abordagem crítica que envolva regulação estatal, fiscalização sobre a publicidade e ampliação das políticas de prevenção e tratamento. Como ressalta Blaszczynski e Nower (2002), o reconhecimento precoce do jogo patológico e a oferta de suporte terapêutico adequado são medidas fundamentais para reduzir os danos. Em última instância, a discussão sobre as bets transcende a esfera individual e aponta para a necessidade de repensar os limites éticos e sociais do entretenimento digital.
Referências
ALMEIDA, R.; PEREIRA, T. O comportamento aditivo em jogos digitais e apostas esportivas. Revista Brasileira de Psicologia Aplicada, v. 3, n. 2, p. 45-60, 2021.
GALDURÓZ, J. C. F.; NOTO, A. R. O impacto da publicidade na iniciação ao jogo de azar. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 2, p. 753-761, 2020.
LARANJEIRA, R.; MADRUGA, C. S. Jogos de azar e saúde pública: desafios no Brasil contemporâneo. Revista de Saúde Mental e Sociedade, v. 11, n. 1, p. 14-28, 2019.
SCHUCK, R. Dependência comportamental e jogos de azar: uma revisão teórica. Psicologia em Estudo, v. 27, e47423, 2022.
VALLE, T.; OLIVEIRA, L. Neurociência do comportamento aditivo: dopamina, expectativa e compulsão. Revista Neurociências em Foco, v. 8, n. 1, p. 32-47, 2019.