Uso de Drogas Psicoativas entre Policiais Militares: Um Fenômeno Invisibilizado nas Corporações
15/07/2025

Por Raique Almeida
O consumo de drogas psicoativas entre policiais militares representa um tema sensível e ainda pouco explorado nas pesquisas acadêmicas, embora apresente profundas implicações para a saúde mental dos agentes de segurança e para o desempenho das atividades institucionais. O ambiente de trabalho desses profissionais é marcado por altos níveis de estresse, risco iminente de morte, sobrecarga emocional e jornadas exaustivas, o que os torna vulneráveis ao uso de substâncias lícitas e ilícitas como forma de enfrentamento psíquico. De acordo com estudos recentes, muitos policiais utilizam medicamentos ansiolíticos, antidepressivos e até álcool ou drogas ilícitas para aliviar sintomas de ansiedade, insônia e depressão, muitas vezes sem acompanhamento médico adequado (Couto, 2019).
Essa realidade, no entanto, é frequentemente encoberta pela rigidez das normas institucionais e pelo estigma que envolve a dependência química dentro das corporações militares. Segundo Teixeira. (2020), o policial que apresenta sinais de uso abusivo de substâncias é visto como alguém frágil, desqualificado para a função, o que dificulta a busca por ajuda e favorece o silêncio e o agravamento do quadro. Em muitos casos, a cultura organizacional valoriza a resistência emocional e a negação da dor como virtudes profissionais, o que reforça a invisibilidade do sofrimento psíquico desses agentes.
O uso de substâncias também está relacionado a contextos de violência urbana e à exposição constante a cenas de morte, sofrimento e conflitos, situações que produzem traumas e afetam a saúde emocional dos policiais. Pesquisas apontam que o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é comum entre esses profissionais e que o uso de drogas pode surgir como uma tentativa de automedicação (Silva & Almeida, 2021). Nesse sentido, o consumo não deve ser compreendido apenas como uma falha moral ou disciplinar, mas como expressão de uma condição de adoecimento psicológico relacionada à natureza da atividade policial.
A ausência de políticas públicas específicas para o cuidado da saúde mental de policiais militares, aliada ao preconceito institucional contra o uso de drogas, contribui para o agravamento do problema. É urgente que as corporações adotem estratégias de acolhimento, prevenção e tratamento baseadas em abordagens psicossociais, rompendo com o paradigma punitivo que ainda predomina. Como defendem Gomes e Oliveira (2018), é preciso reconhecer o policial como sujeito vulnerável, passível de sofrimento e merecedor de cuidado integral, incluindo o tratamento para dependência química, quando necessário.
Portanto, o uso de drogas psicoativas entre policiais militares deve ser debatido de forma aberta e crítica, com base em evidências científicas e em uma perspectiva de saúde pública. O enfrentamento dessa questão exige uma mudança de cultura institucional e o fortalecimento de redes de apoio psicológico, o que contribuirá não apenas para o bem-estar dos profissionais, mas também para a qualificação da segurança pública como um todo.
Referências
COUTO, Maria Cristina Pereira; LIMA, Viviane da Silva; OLIVEIRA, Paulo Roberto de. Saúde mental de policiais militares: uma revisão integrativa. Revista de Enfermagem UFPE on line, v. 13, n. 4, p. 1113-1120, 2019.
GOMES, Fabíola Mendes; OLIVEIRA, Suely Aparecida. Cultura organizacional e saúde mental em instituições militares. Saúde e Sociedade, v. 27, n. 2, p. 539-552, 2018.
SILVA, Tiago Henrique da; ALMEIDA, Joana Cristina. Transtorno de estresse pós-traumático e consumo de substâncias entre profissionais da segurança pública. Revista Psicologia e Saúde, v. 13, n. 1, p. 67-80, 2021.
TEIXEIRA, Juliana Furtado et al. Drogas, silêncio e sofrimento psíquico na polícia militar: uma análise psicossocial. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, v. 12, n. 32, p. 150-168, 2020.