Hipermedicação entre Jovens sem Diagnóstico: Uma Análise à Luz de Referenciais Teóricos

12/08/2025

Hipermedicação entre Jovens sem Diagnóstico: Uma Análise à Luz de Referenciais Teóricos

Por Raique Almeida

 

            A hipermedicação é um fenômeno crescente na sociedade contemporânea, caracterizado pelo uso excessivo e, muitas vezes, desnecessário de medicamentos, sem a devida prescrição médica ou confirmação diagnóstica. Entre jovens, essa prática tem se intensificado, especialmente com a popularização da automedicação, a influência das redes sociais e a banalização do consumo de fármacos para melhoria de desempenho, controle emocional ou adequação estética. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023), a automedicação inadequada representa um grave problema de saúde pública, aumentando riscos de dependência, reações adversas e mascaramento de doenças.

            Do ponto de vista teórico, a perspectiva da medicalização da vida (Conrad, 2007) ajuda a compreender como condições humanas antes consideradas normais — como ansiedade diante de provas, oscilações de humor e falta de concentração — passaram a ser enquadradas como patologias passíveis de tratamento medicamentoso. Nesse contexto, jovens sem diagnóstico clínico acabam utilizando psicotrópicos, ansiolíticos e estimulantes para atender demandas de produtividade e desempenho, fenômeno que Foucault (1979) associa ao biopoder, no qual corpos e mentes são moldados segundo normas sociais.

            O avanço da indústria farmacêutica e sua influência no cotidiano também exerce papel central. Illich (1975) já alertava para a iatrogenia cultural, na qual a dependência de soluções médicas enfraquece a autonomia individual e reforça a ideia de que todo mal-estar exige uma intervenção farmacológica. Atualmente, essa lógica se manifesta em jovens que, diante de pressões acadêmicas, estéticas e sociais, recorrem a medicamentos como forma rápida de resolução, muitas vezes sem consulta médica ou avaliação profissional.

            Além disso, o acesso facilitado à informação e, paradoxalmente, à desinformação via internet, contribui para a hipermedicação. Conforme afirma Silva et al. (2021), a propagação de conteúdos não validados sobre efeitos positivos de certos medicamentos, somada a depoimentos pessoais de influenciadores digitais, cria uma percepção distorcida de segurança e eficácia. Essa cultura do “remédio imediato” favorece a automedicação e retarda a busca por acompanhamento médico adequado.

            As consequências desse comportamento são significativas. Jovens sem diagnóstico que fazem uso contínuo de medicamentos podem desenvolver tolerância, dependência química, alterações cognitivas e problemas hepáticos ou cardiovasculares (BRASIL, 2022). Além dos danos físicos, há impactos na saúde mental, pois a confiança excessiva na medicação pode reduzir a capacidade de desenvolver estratégias de enfrentamento não farmacológicas, como psicoterapia, práticas corporais e suporte social.

            Portanto, compreender a hipermedicação entre jovens sem diagnóstico exige uma análise multidimensional, que articule aspectos biomédicos, culturais e socioeconômicos. Estratégias de enfrentamento devem incluir educação em saúde, regulação rigorosa da venda de medicamentos controlados, ampliação do acesso a atendimento psicológico e campanhas que incentivem o uso racional de fármacos. Como observa Conrad (2007), resistir à medicalização é também reafirmar a diversidade de experiências humanas, reconhecendo que nem todo sofrimento precisa ser patologizado.

 

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Uso racional de medicamentos: fundamentação em farmacologia clínica. Brasília: MS, 2022.
CONRAD, Peter. The Medicalization of Society: On the Transformation of Human Conditions into Treatable Disorders. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2007.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
ILLICH, Ivan. A expropriação da saúde: Nêmesis da medicina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
OMS – Organização Mundial da Saúde. Self-care interventions for health. Genebra: WHO, 2023.
SILVA, Mariana et al. Influência das mídias sociais na automedicação entre adolescentes e jovens adultos. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 55, n. 78, p. 1-10, 2021.

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