Influência do Contexto Familiar na Manutenção da Sobriedade de Pessoas em Recuperação da Dependência

24/07/2025

Influência do Contexto Familiar na Manutenção da Sobriedade de Pessoas em Recuperação da Dependência

Por Raique Almeida

            A recuperação da dependência química não se encerra com a saída da clínica de reabilitação, mas se consolida a partir da transformação contínua do contexto no qual o indivíduo está inserido. A manutenção do ambiente anterior ao tratamento pode comprometer seriamente os avanços conquistados durante a internação, favorecendo recaídas e a retomada do consumo de substâncias psicoativas. A fase inicial do processo terapêutico é centrada na desintoxicação física, etapa essencial, porém insuficiente diante da complexidade que envolve a desabituação. Esta, por sua vez, exige a reconstrução de hábitos, rotinas e vínculos afetivos e sociais saudáveis.

            A efetivação da sobriedade demanda mais do que a simples abstenção do uso de substâncias. Implica, sobretudo, em um estado de consciência ampliada, tomada de decisões com clareza e definição de propósitos de vida. Há uma diferença fundamental entre “não consumir” e “estar sóbrio”. A sobriedade verdadeira está associada à lucidez emocional, à autorresponsabilidade e à integração social ativa. Para que isso ocorra, o apoio familiar e da rede de convivência é determinante, especialmente por meio de três pilares fundamentais a ocupação integral do tempo, a aplicação de consequências a comportamentos inadequados e a criação de espaços regulares para a expressão emocional.

            A ocupação produtiva e bem estruturada do tempo é um fator protetivo essencial. Ociosidade, consumo excessivo de conteúdos digitais, ausência de trabalho ou de atividades acadêmicas e rotinas desorganizadas são elementos de risco que contribuem para a recaída. É necessário estabelecer previamente um diário de atividades com horários definidos, tempo limitado para uso de televisão e celular, além de horários regulares para acordar e dormir. Segundo Oliveira e Cardoso (2013), a estruturação do cotidiano é uma ferramenta poderosa na prevenção de recaídas e na reorganização psíquica do indivíduo em recuperação.

            O segundo pilar diz respeito à imposição clara de limites e à responsabilização diante de atitudes ou comportamentos inadequados. Quando pequenas transgressões são toleradas, abre-se espaço para a repetição e escalonamento desses comportamentos. Como afirmam Konrath. (2014), a negligência com as regras previamente combinadas favorece a reinstalação da dinâmica aditiva. A retirada de benefícios e privilégios, como forma de consequência imediata, deve ser compreendida não como punição, mas como estratégia terapêutica de contenção e orientação.

            O terceiro pilar está relacionado à criação de espaços sistemáticos para a expressão de sentimentos e emoções dentro do núcleo familiar. Reuniões semanais, com o objetivo de dialogar sobre as vivências emocionais de cada membro, ajudam a prevenir o acúmulo de tensões e ressentimentos. A escrita, quando a verbalização se torna difícil, pode ser uma via alternativa eficaz. Araújo e Melo (2020) destacam que o envolvimento afetivo da família, aliado à escuta ativa e ao acolhimento, fortalece os vínculos e sustenta a continuidade do tratamento.

            Dessa forma, a reinserção social de uma pessoa em processo de recuperação exige, para além do tratamento clínico, uma mudança profunda no estilo de vida familiar. A ausência de transformação no ambiente doméstico pode neutralizar os esforços terapêuticos realizados, enquanto a reorganização das rotinas, o fortalecimento da comunicação e o estabelecimento de limites funcionam como pilares para uma nova etapa de vida. O cuidado com o contexto é, portanto, um compromisso coletivo e uma oportunidade real de ressignificação para todos os envolvidos.

Referência

ARAÚJO, Rosely Pereira de; MELO, Edinara Vital da Silva. A importância da família no processo de recuperação do dependente químico: uma revisão de literatura. Revista Interfaces, v. 7, n. 2, p. 158–173, 2020.

DIAS, Maria do Rosário Ferreira. A reinserção social de dependentes químicos: contribuições da psicologia. Revista Psicologia em Estudo, v. 11, n. 2, p. 401–409, 2006.

GOMES, Francisco Inácio Bastos; BERTONI, Neilane; PEIXOTO, Celia. Contextos familiares e o uso de drogas entre adolescentes. Ciência & Saúde Coletiva, v. 13, supl. 2, p. 1173–1180, 2008.

KONRATH, Emília C. A recaída no processo de recuperação de dependentes químicos: uma revisão integrativa. Revista de Enfermagem UFPE On Line, v. 8, n. 8, p. 2842–2850, 2014.

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