A Internação Involuntária de Adictos: Aspectos Legais, Éticos e Clínicos no Contexto Brasileiro

01/06/2025

A Internação Involuntária de Adictos: Aspectos Legais, Éticos e Clínicos no Contexto Brasileiro

Por Raique Almeida

            A internação involuntária do adicto é um tema que tem gerado muitos debates. Ganhou ainda mais destaque com a proposta de uma nova lei do governo que trata especificamente das políticas de tratamento para dependentes químicos. Antes de entrar no mérito da questão, é importante entender que a internação involuntária já é prevista na legislação brasileira por meio da Lei nº 10.216/2001. Essa lei, que regulamenta os direitos das pessoas com transtornos mentais, prevê a possibilidade de internação mesmo sem o consentimento do paciente, desde que essa medida seja justificada por um risco à sua própria vida ou à de terceiros e pela ausência de discernimento quanto à necessidade de tratamento.

A proposta de lei, no entanto, reforça esse ponto ao tratá-lo especificamente dentro do contexto da dependência química. Segundo a proposta, quando a dependência é tão intensa que compromete a liberdade de decisão do indivíduo, a internação involuntária pode ser indicada. Vale lembrar que existem três tipos de internação: a voluntária, quando a pessoa consente com o tratamento e assina um termo; a involuntária, quando a pessoa não consente, mas ainda assim é internada, por exemplo, por estar inconsciente, psicótica ou sem discernimento; e a compulsória, determinada pela Justiça.

A dependência química, segundo a própria Classificação Internacional de Doenças (CID), é um transtorno mental. É uma condição em que o indivíduo perde a capacidade de controlar o uso da substância, mesmo ciente dos prejuízos causados. É importante entender que, muitas vezes, a pessoa não percebe a necessidade de tratamento justamente por estar dominada pela doença. Em contextos como esse, a internação involuntária pode ser um recurso necessário e, em alguns casos, salvador.

Na prática, muitas pessoas que são internadas contra a própria vontade, após a estabilização e melhora do quadro clínico, reconhecem que a internação foi necessária, mesmo que a experiência em si tenha sido traumática. Essa reflexão posterior mostra que, embora o processo possa ser difícil, ele pode trazer benefícios concretos à saúde e à vida da pessoa.

No entanto, é preciso cautela. Internar todos os adictos contra a vontade seria tão prejudicial quanto proibir a internação involuntária em qualquer circunstância. A avaliação deve ser feita de forma individualizada, levando em conta o grau de discernimento do paciente, o risco à sua saúde e integridade, e a presença ou não de um desejo distorcido, causado pela própria doença. Em alguns casos, o adicto reconhece os danos causados pela droga, mas declara que não deseja parar. Em outros, verbaliza o desejo de parar, mas se vê incapaz de fazê-lo. Há também aqueles que, mesmo enfrentando perdas significativas, como a ruptura com a família ou a perda do trabalho, insistem que não querem parar. Em situações assim, deve-se avaliar até que ponto essa declaração representa um juízo livre e consciente ou é apenas mais um sintoma da dependência severa.

Portanto, a lei já contempla a possibilidade de internação involuntária nos casos em que há perda de discernimento, e a dependência química pode, sim, ser uma dessas situações. O reforço dessa possibilidade por meio da nova legislação parece ter como objetivo enfatizar que há casos em que a intervenção, mesmo sem o consentimento do indivíduo, é necessária. Ainda assim, é essencial evitar o uso abusivo ou indiscriminado dessa medida. A decisão sobre internar um paciente contra a vontade deve ser tomada por profissionais capacitados, com base em critérios técnicos e éticos, considerando cada caso em sua complexidade singular.

Em conclusão, a internação involuntária não deve ser nem proibida nem obrigatória. Trata-se de um recurso extremo, mas, em determinadas circunstâncias, necessário. Seu uso deve ser pautado por uma análise criteriosa e individualizada, visando sempre a proteção e a recuperação da pessoa em sofrimento.

Referências:

BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 9 abr. 2001.

BRASIL. Lei nº 13.840, de 5 de junho de 2019. Altera a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas), para tratar da internação involuntária de dependentes químicos. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 6 jun. 2019.

PITANGUY, H.; RIBEIRO, J. Internação involuntária e direitos humanos: o desafio ético no cuidado de dependentes químicos. Revista Bioética, Brasília, v. 29, n. 1, p. 24-33, 2021.

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