Ouvir, Acolher e Agir: Como Ajudar um Adicto a Falar e Mudar

29/04/2025

Ouvir, Acolher e Agir: Como Ajudar um Adicto a Falar e Mudar

Por Raique Almeida

            Por que os adictos se calam? Por que não dizem, por que não conseguem conversar?
Quero te contar que, muitas vezes, essas pessoas guardam em silêncio aquilo que mais dói. Estão cansadas. Estão esgotadas. Sentem-se derrotadas pelas substâncias e pelo próprio comportamento. Em muitos momentos, até quiseram pedir ajuda, mas não souberam como.

Não é que planejem esconder o que sentem; é que o efeito negativo das drogas no cérebro afeta diretamente a capacidade de expressão e escuta. Regiões cerebrais como a área de Broca, responsável pela fala, e a de Wernicke, responsável pela compreensão auditiva, deixam de se comunicar de maneira eficaz.

A substância os isola, os torna introspectivos e calados. Quando socializam, os assuntos geralmente são superficiais. Raramente falam sobre si mesmos, sobre suas dores e conflitos. E, quando tocam em algo mais profundo, geralmente são questões externas. Por isso, abordar temas como liberdade ou equilíbrio emocional torna-se algo distante.

Se você tem alguém próximo que está cada vez mais calado, que se isola, é fundamental oferecer um espaço de escuta verdadeira, sem julgamentos. Um espaço onde essa pessoa possa dizer, com sinceridade, que está triste, que já pensou em desistir de tudo, e que precisa ser ouvida com atenção.

Ouvir não significa concordar ou permitir tudo. Significa acolher, fazer perguntas abertas, deixar que a pessoa fale tudo o que está guardando. Isso se torna uma forma de desabafo e, principalmente, uma maneira de entender o que se passa em seu mundo interno.

Mas apenas ouvir não basta. É necessário dar um passo além. Quando essa pessoa expressar o cansaço e o sofrimento, é importante ajudá-la a refletir sobre o que pretende fazer com isso. Estabelecer metas e compromissos concretos é muito útil nesse processo.

Muitas vezes, o amigo ou familiar diz: “Eu o escuto, estou sempre ali para ele.” Isso é valioso, mas é só o começo. A pergunta seguinte precisa ser: “E agora? O que você vai fazer com isso?” Incentivar a ação é essencial. Pode ser marcar uma consulta, fazer um exame toxicológico, afastar-se de determinadas amizades. Esses compromissos revelam o quanto a pessoa está disposta a mudar e ajudam a transformar a escuta em movimento.

É importante lembrar também que muitos adictos desejam iniciar um tratamento, mas estão tomados por medos e mentiras. Acreditam em histórias assustadoras: que o tratamento é como uma prisão, que serão maltratados, medicados à força, que vão raspar seus cabelos ou até amarrá-los. Tudo isso são distorções pensamentos fantasiosos que os impedem de dar o passo necessário.

É preciso conversar, esclarecer, e até visitar instituições para mostrar que existe acolhimento e dignidade. Em alguns casos, é possível fazer o tratamento de forma ambulatorial, sem internação, desde que haja responsabilidade e comprometimento.

O mais importante é motivar. Ajudar essa pessoa a romper com a dúvida, com a ambivalência. Por isso, é essencial fazer perguntas no singular: “O que você vai fazer?” “Para onde você quer ir?” É necessário mostrar com clareza o que está em jogo: se sair antes do tempo, não poderá voltar para casa; se não estiver saudável, não conseguirá trabalhar nem retomar os estudos. Essa clareza é fundamental para que a motivação surja com força.

Muitos se mantêm presos na fase da pré-contemplação, descrita por Prochaska e DiClemente no modelo de mudança aquele momento em que a pessoa ainda não decidiu se quer ou não mudar. E, às vezes, o que falta é apenas um empurrão, uma história de superação, um exemplo real de alguém que conseguiu vencer.

A verdade é que muitos adictos não falam porque ninguém os escuta. Não mudam porque ninguém os acompanha. Não se tratam porque acreditam nas mentiras que ouviram ou nas distorções que carregam sobre o que realmente é um bom tratamento.

Referências:

Prochaska, J. O., & DiClemente, C. C. (1983). Estágios e processos de mudança no comportamento: rumo a um modelo integrativo de mudança. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 51(3), 390–395.

Volkow, N. D., Koob, G. F., & McLellan, A. T. (2016). Avanços neurobiológicos no modelo de doença cerebral da dependência. New England Journal of Medicine, 374(4), 363–371.

Miller, W. R., & Rollnick, S. (2013). Entrevista Motivacional: ajudando pessoas a mudar (3ª ed.). Porto Alegre: Artmed.

Galanter, M., Kleber, H. D., & Brady, K. T. (2016). Tratado da American Psychiatric Publishing sobre tratamento do uso de substâncias psicoativas (5ª ed.). Porto Alegre: Artmed.

 

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