Realidade Aumentada e Habilidades de Recusa: Uma Nova Fronteira no Tratamento da Dependência Química
20/06/2025

Por Raique Almeida
A tecnologia vem transformando não apenas a forma como vivemos, mas também como tratamos e prevenimos problemas de saúde mental e dependência química. Um dos avanços mais inovadores é a utilização da Realidade Aumentada (RA) em sessões terapêuticas, especialmente em grupos voltados para o treinamento de habilidades sociais de recusa.
Essa abordagem une a ciência comportamental com recursos tecnológicos imersivos para ensinar, praticar e fortalecer respostas assertivas diante da pressão para o uso de substâncias, criando cenários realistas e controlados onde os pacientes podem desenvolver novas estratégias de enfrentamento.
Habilidades de recusa são um conjunto de competências sociais que permitem a uma pessoa dizer "não" de forma clara, segura e assertiva em situações de pressão social — especialmente quando amigos, conhecidos ou familiares incentivam o uso de drogas ou álcool.
Essas habilidades são fundamentais em tratamentos de prevenção à recaída, pois muitas recaídas ocorrem em contextos de vulnerabilidade social e emocional, onde o indivíduo sente-se incapaz de recusar a substância sem comprometer relações, pertencer ao grupo ou evitar conflitos.
Diferente da realidade virtual, a realidade aumentada sobrepõe elementos digitais ao ambiente real por meio de celulares, tablets ou óculos especiais. Isso permite criar simulações interativas e dinâmicas, como:
- Uma festa onde alguém oferece bebida ou droga;
- Um encontro com amigos que fazem pressão;
- Um bate-papo informal com insinuações para uso.
Essas cenas são recriadas digitalmente e inseridas nas sessões em grupo, permitindo que os participantes vivenciem situações de risco sem estar realmente expostos a elas. Assim, conseguem praticar a recusa de forma segura e com acompanhamento profissional.
Como Funciona a Sessão Terapêutica com RA
- Apresentação do cenário simulado
O grupo visualiza e interage com a situação de risco via dispositivos com RA. - Identificação de gatilhos
Os participantes observam quais sentimentos e pensamentos são ativados. - Treinamento de resposta
Cada membro ensaia formas de recusar, com apoio do terapeuta e feedback dos colegas. - Reflexão coletiva
O grupo discute quais estratégias foram eficazes, quais podem ser melhoradas e como transferir esses aprendizados para a vida real. - Repetição e reforço positivo
O exercício é repetido com variações de cenário, reforçando o comportamento de recusa.
Imersão sem risco real: O paciente “vive” a situação de pressão, mas com total segurança e controle terapêutico.
Ensaio comportamental realista: Treinar em cenários próximos à realidade aumenta a eficácia da aprendizagem.
Participação ativa do grupo: O formato lúdico e interativo favorece o engajamento e a cooperação.
Desenvolvimento da autorregulação emocional: O paciente aprende a controlar suas reações diante do desafio.
Maior retenção das estratégias aprendidas: O cérebro memoriza com mais eficácia aquilo que foi vivido com emoção e participação ativa.
A Realidade Aumentada pode ser utilizada em conjunto com terapias cognitivo-comportamentais, dinâmicas de grupo, oficinas de habilidades sociais, mindfulness e práticas psicopedagógicas. Ela não substitui o acompanhamento clínico, mas potencializa a eficácia de intervenções já consagradas no tratamento da dependência.
O uso de tecnologias como RA deve ser sempre mediado por profissionais capacitados, com ética e cuidado. É essencial avaliar se o paciente está em fase do tratamento que permite esse tipo de estímulo, evitando gatilhos intensos em estágios iniciais de abstinência ou comorbidades psiquiátricas descompensadas.
Cada simulação deve respeitar o nível de enfrentamento e prontidão para mudança de cada participante.
Treinar habilidades de recusa por meio da Realidade Aumentada representa um avanço importante na promoção da autonomia e na prevenção de recaídas. Ao oferecer aos pacientes um ambiente seguro para ensaiar decisões difíceis, essa tecnologia fortalece a capacidade de enfrentamento diante das pressões da vida real.
Referências
ANDERSON, P. et al. Virtual environments for social skills training in substance use disorders: A systematic review. Addictive Behaviors Reports, v. 13, p. 100336, 2021.
SKJÆRVEN, L. H.; EIDE, H.; MUNTHE-KAAS, H. Augmented Reality in Group Therapy: Emerging Practices and Ethical Considerations. Journal of Substance Use & Addiction Treatment, v. 1, n. 1, p. 22–30, 2023.
BANDURA, Albert. Social Foundations of Thought and Action: A Social Cognitive Theory. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1986.
DEL PRETTE, Zilda A. P.; DEL PRETTE, Almir. Psicologia das Habilidades Sociais: Terapia Cognitivo-Comportamental e Educação. Petrópolis: Vozes, 2017.