Fugas Silenciosas: Solidão como Gatilho para a Dependência Química

06/08/2025

Fugas Silenciosas: Solidão como Gatilho para a Dependência Química


Por Raique Almeida

              A dependência química, fenômeno multifacetado e crescente nas sociedades contemporâneas, não se constrói apenas a partir do contato com a substância, mas também de uma teia de fatores emocionais, sociais e subjetivos. Entre esses, a solidão desponta como um dos gatilhos mais silenciosos e profundos.
             A solidão, enquanto experiência emocional de desconexão e ausência de vínculos significativos, tem se intensificado em tempos marcados pelo individualismo e pelo esvaziamento das relações sociais, como bem analisa Zygmunt Bauman (2004) ao tratar da “modernidade líquida”. Segundo o autor, vivemos em um tempo onde os laços são frágeis, instáveis, e onde o sujeito, desamparado, busca formas imediatas de prazer e alívio — terreno fértil para o consumo de substâncias psicoativas.
             Do ponto de vista psicológico, a solidão pode gerar sentimentos de rejeição, desvalorização e vazio existencial. Para Viktor Frankl (2008), a busca por sentido é uma necessidade humana fundamental, e sua ausência pode levar à neurose noética, marcada por frustrações profundas e comportamentos autodestrutivos — entre eles, o uso abusivo de drogas como tentativa de preencher esse vazio.
              Estudos apontam que muitas pessoas não iniciam o uso de drogas pela curiosidade ou influência social apenas, mas como mecanismo de enfrentamento emocional frente a dores internas, como a solidão, o abandono e traumas mal elaborados (SILVA, 2015). Nesse contexto, a substância passa a representar uma “companheira”, ainda que ilusória, nos momentos de angústia.
              Entretanto, essa “fuga silenciosa” tende a aprisionar ainda mais o indivíduo, que se vê num ciclo de dependência, culpa e isolamento. A droga que antes preenchia, agora agrava a solidão, numa dinâmica cruel de ida e volta entre prazer momentâneo e sofrimento prolongado.
             Por isso, políticas públicas de prevenção e tratamento da dependência química devem ir além da repressão ou da medicalização. É essencial considerar a dimensão afetiva e relacional do sujeito, promovendo espaços de escuta, acolhimento e pertencimento, especialmente para os mais vulneráveis. Investir em vínculos sociais saudáveis, redes de apoio comunitário e educação emocional é parte fundamental no enfrentamento do problema.
            Como aponta Silva e Moreira (2019), “o tratamento da dependência química exige mais do que remédios e internações: exige humanidade, escuta e reconexão com o sentido da vida”. Afinal, a verdadeira saída das fugas silenciosas não está na substância, mas na possibilidade de resgatar, junto ao outro, o que a solidão tentou calar.

 

Referências:


BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Petrópolis: Vozes, 2008.
SILVA, Carla M. Solidão e uso de drogas: interfaces emocionais na dependência química. São Paulo: Cortez, 2015.
SILVA, J. R.; MOREIRA, T. S. Afeto e escuta no tratamento de dependentes químicos. Revista Psicologia e Sociedade, v. 31, n. 1, 2019.

 

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