Saúde Mental e a Lógica do Mercado: Desafios da Assistência nos Planos de Saúde

05/09/2025

Saúde Mental e a Lógica do Mercado: Desafios da Assistência nos Planos de Saúde

Por Raique Almeida

 

            A saúde mental, historicamente marcada por estigmas e invisibilizações, tem ocupado lugar central no debate contemporâneo sobre políticas públicas e assistência em saúde. Entretanto, no campo da saúde suplementar, a lógica mercadológica se sobrepõe, em muitos casos, à garantia do direito ao cuidado integral, gerando tensões éticas, sociais e jurídicas. O crescimento da demanda por tratamentos psicológicos e psiquiátricos nas últimas décadas evidencia tanto o avanço da discussão sobre sofrimento psíquico quanto as fragilidades estruturais dos planos de saúde no que concerne à cobertura desse tipo de assistência (CAMPOS; AMARANTE, 2016).

            A saúde suplementar, ao se configurar como mercado regulado, encontra-se atravessada por interesses econômicos que muitas vezes restringem a efetividade da atenção em saúde mental. Relatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS, 2022) indicam que os planos frequentemente impõem limites quantitativos a sessões de psicoterapia, internações psiquiátricas e terapias multidisciplinares, em dissonância com a diretriz constitucional de integralidade do cuidado (BRASIL, 1988). Esse tensionamento revela uma contradição fundamental: enquanto a saúde é direito universal, a lógica da suplementaridade opera sob a racionalidade neoliberal, na qual a vida e o sofrimento se tornam mercadoria (FOUCAULT, 2008).

            Além disso, a judicialização da saúde emerge como estratégia de enfrentamento à negativa de cobertura em saúde mental. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2021) mostram que ações judiciais contra planos de saúde relacionadas a atendimentos psiquiátricos e psicológicos cresceram exponencialmente, sinalizando a incapacidade do mercado em responder de forma equânime às necessidades dos usuários. Essa realidade expõe não apenas a insuficiência da regulação, mas também a precarização das condições de cuidado em saúde mental no setor privado.

            É nesse contexto que a análise crítica se faz necessária: compreender a saúde mental sob a ótica da lógica de mercado implica reconhecer como as práticas empresariais dos planos de saúde interferem diretamente na materialidade do cuidado e na subjetividade dos indivíduos. Conforme afirma Basaglia (2005), o tratamento em saúde mental não pode ser reduzido a um cálculo de custos, pois envolve dimensões éticas, políticas e humanas indissociáveis. Assim, os desafios postos à assistência em saúde suplementar dizem respeito tanto à necessidade de maior regulação estatal quanto à reafirmação da saúde como direito e não como mercadoria.

            Dessa forma, o enfrentamento das limitações impostas pelos planos de saúde exige políticas públicas consistentes, fortalecimento da regulação da ANS e vigilância social sobre a atuação das operadoras. Mais do que garantir acesso, é preciso garantir qualidade e continuidade do cuidado em saúde mental, superando a lógica mercantil que, ao privilegiar o lucro, reproduz exclusões e agrava o sofrimento. O desafio, portanto, é deslocar a saúde mental da órbita do mercado para o campo do direito fundamental, reafirmando seu caráter inalienável.

Referências

BASAGLIA, Franco. A instituição negada. Rio de Janeiro: Graal, 2005.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa; AMARANTE, Paulo. Saúde mental e atenção psicossocial. São Paulo: Hucitec, 2016.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Judicialização da Saúde no Brasil: dados e análises. Brasília: CNJ, 2021.
FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica: curso no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.
AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS). Caderno de Informação da Saúde Suplementar. Rio de Janeiro: ANS, 2022.

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